30.4.21

Arrasada por vagas tumultuosas de trabalho e, nos intervalos, distraída com futilidades, apanhou-me de surpresa o desabrochar de Isabela. Ontem eram brotos, hoje oito flores de escancarada doçura, desenhadas com um rigor que mais espanta quanto mais em detalhe se lhes tira as medidas e aprecia os ângulos. Incapaz de suportar sozinha o peso de tanto talento, Isabela apoia o braço num velho tamborete que eu, tendo por costume e defeito antecipar tragédias, ali coloquei à disposição de sua excelência. Com isso, fica o tamborete a parecer luxuosamente estofado porque Isabela derrama sobre ele os seus folhos de veludo branco, mais ricos ainda com o oiro e rubi de uns labelos perfeitos. Que esperta é. Ao invés de se enamorar de gatos pretos sem nome nem residência fixa, resigna-se ao ombro de um velho tamborete. Apático, mas ao menos de confiança. E o tamborete, encostado por falta de serventia, ganha em troca a mais bela de todas as oportunidades que já teve na vida. Ora, se ambos saem valorizados não vejo como há de esta história acabar mal, por mais que vasculhe as sombras férteis do meu pessimismo.