O meu menino de cabelos de oiro velho e olhos de mar de inverno, um dia destes acordou e era outro. Tinha a voz e as vontades distorcidas e contradizia-me por vulgar impulso, limão se eu dissesse laranja, verde se eu pensasse azul, ar se eu avançasse terra. Desconfiada, ainda assim beijei-o, notei que tinha o ventre liso, os dedos das mãos alongados, pescoço de animal corredor. Então verifiquei as marcas de nascença, contei os sinais hereditários, senti fraco o cheiro de vento e poeira e, na dúvida, perguntei-lhe onde escondeste o meu bebé? Respondeu-me como um assaltante no cúmulo da adrenalina, os olhos rebrilhando de gozo: praí numa dessas gavetas.
Não posso dizer que me seja estranha a impostura. Há uns anos, da noite para o dia, também fui dar com um rapaz cheio de gravidade e introspeção no lugar do mais velho, que antes vivia de trepar árvores, construir jangadas e fazer conversa com estranhos. Porém, ser mais sabedora não me faz menos fraca. Nenhum proveito o meu coração tira de estudos, conselhos, filosofias. A experiência vale tanto como argumento e nada como armadura! E a memória, de onde só resgatamos para uso futuro o que convém, tenho-a completamente subjugada, refém do exercício ruminante da saudade, sem qualquer utilidade prática.
Que triste me é o fim da infância.