6.9.22

O corpo do menino com cabelos de oiro velho e olhos de mar de inverno transborda da cama. As irregularidades ósseas absorveram já todos os nacos arredondados de carne em cujos sulcos eu perdia o nariz à procura de aromas lácteos, restos de poeira e ventania, vestígios de rebuçado. Às paredes do quarto trepam os cheiros primordiais da adolescência e eu abro a janela com a ilusão de poder espantar aquele futuro iminente, cheio de perigos e corrupção. Queixa-se da corrente de ar, defende-se, mas o tamanho do lençol já é pouco para acudir ao arrepio. Estranho-o como a um animal que ocupasse o ninho alheio. A voz é um rugido sem domínio, o apetite não acha satisfação, os dedos das mãos alongam-se como garras a segurar o travesseiro. Tudo é urgência, importância, paixão, vida ou morte, exuberância, fertilidade. Em tamanho, não tardará a ultrapassar o rapaz voador, ainda que dificilmente o iguale em destreza e ousadia. Longos veraneios a uma sã distância da minha autoridade vão fazendo dele um homenzinho porque, quando é de um cais sólido que se parte, a liberdade nutre toda a substância do corpo e mais ainda a do espírito. E agora que se ouvem os passos do outono nas redondezas, volta para casa assim: com mais um palmo de altura e dois ou três de independência.