Como uma grande parte das mulheres, não só da sua como de outras gerações, a mulher do senhor Pereira é acostumada a acreditar na própria culpa. A culpa das tentações que precipitam grandes desastres mas, miseravelmente, também dos incidentes ligeiros do quotidiano. Por isso vem a correr rua acima, afoita e ruborizada, e, mal abrandando para um cumprimento, justifica-se com o corpo todo torcido, que é a maneira de poder olhar para mim sem descurar o sentido e a urgência da marcha: quase me esquecia de ir ao pão. Não fosse o meu marido lembrar-me e nem uma fatiazianha na mesa. Desculpe a pressa, tenho tudo ao lume. Uma querida, tão grata ao senhor Pereira por lhe avivar a memória das tarefas que, por mútuo acordo, são da sua competência. Sem tempo para responder qualquer coisa cortês e inútil, fico a vê-la sumir na rua, dando magnífica prova da habilidade com que uma mulher pode equilibrar a aflição da criada sobre os elevados sapatos de marca da senhora.