18.8.22

Sempre pensei a inveja como uma besta sórdida e rasteira a que a minha superioridade moral não vergaria. É, entre os pecados capitais, o único que não tem como aparentar graça, charme, fibra, desafio, convicção, energia, nem mesmo visto sob o toldo de um estado de enamoramento ou com recurso a eufemismos. Até conheço, com mais ou menos vergonha, o gosto encorpado da soberba e da avareza, assumo os ímpetos cegos e eletrizantes da ira e da luxúria, demoro nos prazeres da gula e da preguiça, a quem poucos negam simpatia. Tenho, como prova da minha humanidade, vontades alimentadas à boca por todos os pecados. Exceto a inveja. Invejar porquê, se toda a medalha tem no reverso gravuras de dor, perda ou desalento? Um destes dias, porém, talvez porque me tenha apanhado sem ocupação de valor ou distraída das coisas fundamentais, a inveja cravou-me os dentes em cheio na razão e pôs-me a correr no sangue esse veneno perverso, que inebria, revira os olhos, sorri pela frente e maldiz no escuro. Lutei contra ela a noite inteira, implorando a minha lucidez de volta, e da batalha sobrou uma desarrumação tal que ao levantar-me pela manhã tinha perdido os pontos cardeais e a firmeza de pisar o solo. Confesso-me assim sem receio de ser julgada porque uma pessoa – qualquer pessoa – tem sentimentos e entre tantos que tem, há sempre alguns que são como os filhos degenerados: uma vergonha para a qual se inventa mil histórias que desculpem.