12.8.22

Finalmente agosto entristeceu nas ruas da cidade. Agrada-me estar por cá nesta altura, há silêncio e suavidade no ar, ninguém está interessado em grandes resoluções e as pressas são injustificadas. Na avenida, manhã cedo, paira uma névoa doce que me lembra o feliz veraneio da minha infância. Revejo-me de mão dada com a minha irmã mais velha em direção à praia, ela a cantar a Valsinha e eu a sonhar os meus legítimos sonhos sobre um par de pernas bailarinas. 
A professora que vive com três gatos pretos e um ror de tralha acumulada passa o seu agosto na resignação costumeira. Desce a alameda a arrastar-se como um animal velho, indisposto às caçadas, sem mais vocação para a sobrevivência. Ainda não foi desta que se meteu num avião para visitar o rapaz em Barcelona e também não consta que ele venha suar os calores do estio nos braços da sua mãe. Há de vir pelo Natal, diz ela todos os anos. E o gesto que faz com a mão imita o das pessoas compreensivas e relaxadas, mas é na verdade tão dorido como o de qualquer desgosto de amor. O rapaz é bom filho, toda a gente sabe. Mas é jovem, tem ganas de espaço e liberdade, vai adiando a mãe porque a mãe é certa e segura, pertence-lhe, já foram corpos de um só corpo, não a concebe morta ou indisponível. Talvez um dia, quando a separação se der definitiva, sofra a culpa de tão longas ausências. 
– Caramba, Barcelona é já ali, num instantinho a sôtora se põe lá. – diz-lhe a cabeleireira, sempre com ganas de pôr a girar os carrosséis da vida. Mas a professora que vive com três gatos pretos e um ror de tralha acumulada tem direito ao desalento e à concavidade do sofá. Tem também direito a fingir que a sua solidão adoentada, suja de pastéis, nicotina e ansiolíticos, tem os brilhos charmosos da independência.
– Andar práqui e pracolá não é do meu feitio. Quem me tira o meu sossego, o meu cantinho, os meus livros, tira-me tudo.
– E vai deixar agosto fugir assim... – lamenta a cabeleireira, ansiosa que lhe perguntem em que praia vai ela torrar o corpo, frente e verso, durante a próxima quinzena.
Mas à professora, para quem os dias, as semanas e os meses se sucedem sem grande propósito, como contas de um longo e penoso rosário, à professora agosto não foge, só se converte em setembro.