2.9.24

Esta noite, Rosarinho pariu quatro filhos de uma assentada, com a ajuda dos pais, da avó, do marido e dos cunhados, do irmão caçula, das primas de Viseu e de mais uma data de familiares madeirenses a quem só se costuma ver a fronha em casamentos e funerais. Talvez eu já tenha visto isso em algum filme: uma mulher a dar à luz e uma aldeia inteira à sua volta. Ofereciam uns as mãos para que ela as mordesse nos picos de dor, outros contribuíam marcando o compasso da respiração e muitos apenas olhavam pelo simples facto de ser necessário assistir ao milagre para fixar na retina a autoridade e o pulso firme da natureza, que joga com as forças humanas até às bordas da insânia e, quantas vezes, para lá delas. Graças a uma porta entreaberta por descuido, também vi tudo. Rosarinho com o corpo escancarado, o sexo rasgado e a vida por um fio, a revirar os olhos, a expulsar os filhos, de seios completamente descobertos, já a postos para servir. Não avancei para ajudar. Assisti àquela hora tortuosa a lembrar-me de como ela conseguiu realizar o único sonho de que se alimentou toda a sua adolescência: casar com um dos melhores partidos do Norte. Reconheçamos o mérito. Era engraçada, loirinha, com dois sobrenomes bastante apresentáveis aos quais fez questão de acrescentar uma criteriosa seleção dos do marido e, embora tivesse frequentado os colégios que lideram os rankings, chegou à idade adulta a julgar que se fecha um x-ato empurrando a lâmina com o dedo, sem saber quantos centímetros tem um metro e na mais absoluta ignorância sobre o que se obtém ao somar os quadrados dos catetos. Mentirosa e má profissional, salvou o mundo quando decidiu dedicar-se apenas ao ponto de cruz e a workshops de confeção de macarons. Dizia que filhos, só havia de os ter por cesariana para não escangalhar o pipi, e que quem amamenta são as vacas. Vê-la ali tão exposta, na sua condição primordial, contorcida, subjugada, foi uma surpresa. Perto das quatro da manhã, os urros dela acordaram-me. Apalpei o breu, acendi o candeeiro, um alívio ver o quarto silencioso, limpo e só para mim. O descaramento com que esta gente me entra nos sonhos ao cabo de mais de um par de décadas!