Convenhamos que, na vingança, o que menos importa é a temperatura de serviço. A apregoada vingança fria é já tão distante do seu propósito que, embora possa ferir o alvo, pouco nos satisfaz. O tempo dilui a fúria e, sem fúria, é modesta a dimensão do gozo. Eu prefiro confecionar a vingança em lume forte, de coração ainda atordoado e mãos trémulas. Raiva, dor, mágoa, despeito, tudo entra em combustão numa fogueira que, pela noite dentro, vai crescendo com as sombras, os fantasmas, as ventanias, os rumores nas camas dos vizinhos. Atiçada por emoções vívidas, acredito que a vingança perca em sofisticação mas compensa no que ganha em corpo e sangue ao erguer-se e caminhar avante como um soldado inebriado, suicida, disposto a tudo. Tantas vezes a cozinhei assim a horas mortas, a delirar sob o efeito inflamatório de golpes profundos, e, no entanto, nunca cheguei a servi-la, nem a quente nem a frio. Não é que eu seja boazinha. Sou antes preguiçosa e fico à espera que uma justiça de forças superiores jogue a meu favor e me poupe à trabalheira.