Os meus colegas devotam aos personagens das séries uma empatia que recusam à gente real. Gastam horas do dia a analisá-los com profundidade e indulgência, trocam ideias muito civilizadas acerca do que possa motivar os desvarios, os crimes, as vinganças e as molezas de caráter que alimentam o enredo. Compadecem-se: oh, quem nunca? Tanta e tão comovente humanidade, porém, esgota-se em frente ao ecrã. Para os outros, de carne osso, que habitam as durezas exteriores à ficção, os que estacionam em cima da rampa, assaltam o mercadinho da esquina, traem a melhor amiga, para esses é o quero lá saber, por mim até podem morrer, gente dessa não vale nada. A professora que vive com três gatos pretos e um ror de tralha acumulada também se deslumbra, nos poetas, com o mesmo que nos alunos lhe causa asco: desgraças morais, maus vícios, cinismo, arrogância, insurreição. Não é muito diferente dos meus colegas. Assemelham-se na preguiça sentimental, desperdiçam a nobreza do coração nas distâncias experimentadas a partir do sofá e da sonolência domingueira, mas cansa-lhes muito a gente insuportável de todos os dias.