Uma semana a pensar em duas linhas que pudesse escrever para ganhar o teu perdão. Que absurdo. Uma pessoa por dinheiro escreve parágrafos gordos de disparates, subverte a realidade em diálogos impossíveis, vende lixo com atributos de ouro, formula teses e racionais de muitas páginas à base de ar, e, no entanto, é incapaz de uma palavra, uma única palavra pela própria salvação. Ah, casa de ferreiro. Habituei-me a manipular as palavras consoante a encomenda e o pagamento, uso-as como ferramenta de serviço em pieguices, parvoíces, politiquices, e faço-o com a distância e o rigor do cirurgião que à hora certa crava na carne o bisturi sem outro sentimento ou sentido além do do dever e no fim lava as mãos e paga as contas. Mas – castigo! – se agora as convoco para a minha própria história, a favor de uma verdade pura, as palavras mal me respeitam, habituaram-se ao jogo, à indisciplina moral, à ausência de escrúpulos. Por isso, olha, de que forma eu haveria de conseguir alegar a minha legítima defesa? Então dito assim é inglório e ninguém decidirá a meu favor: desejar a hora de te ver, importar-me com os teus pensamentos, ter o sono perturbado por essa língua errante e virtuosa ao redor do meu ventre, tudo isso é uma afronta mortal à minha paz.