14.1.22

Ao relembrar certas ilusões da sua infância já abandonada, o mais novo – para sempre o meu bichinho da terra – diz-me que a tristeza de crescer é desmontar a farsa de quase tudo. Os embrulhos com laço de fita que decoram as lojas afinal são caixas ocas, as moedas de cêntimos que todos os dias lhe pingavam no comboio-mealheiro afinal valem para pouco, as cartas comoventes que em todos os natais recebeu afinal não eram escritas pelo punho de um ancião obeso na Lapónia. Estamos de acordo e prestamo-nos juntos ao elogio da inocência e ao exercício da melancolia comendo torradas de pão bijou em cafés vazios frente ao mar e andando de mãos dadas como dois desgraçadinhos que tivessem motivos de merecer a pena alheia ou a quem fosse dedicado o alarido agoirento das gaivotas. Quase cinematográfico este nosso lamento pelas desimportâncias do mundo.