6.7.21

Encontram-se numa esquina da avenida. No passeio à direita, espera ela com o cão. Ele atravessa do lado oposto, ajoelha-se na calçada, enche o animal de festas, beija-lhe o focinho, fala-lhe em segredo, coça-lhe as orelhas, o pescoço, as costas e o peito. Entre pinotes e lambidelas, o cão goza do privilégio e quantos carinhos é possível receber de um ser humano, ele recebe sem preço ou condição. O homem e o seu animal dão ali o exemplo do amor simples e honesto, celebram a banalidade do encontro quotidiano, preenchem com ternura todos os vazios do corpo e do espírito de modo a que não sobre espaço para perguntas, nem se permita à imaginação derivar em suspeitas, traições e finais dramáticos. Depois – muito tempo depois – ele levanta-se e, sem olhar, beija de raspão a boca da rapariga. Com um gesto breve ganha a posse da trela. Ela vai descendo a rua de mãos a abanar enquanto ele atrasa o passo, a perpetuar o desencontro. Parece difícil amar incondicionalmente quem não vive para nos lamber os dedos.