A cabeleireira entra no pão quente como um foguete de festa, abre os braços, dá duas voltas sobre si mesma, finaliza a coreografia em pose de pin-up e anuncia: já estou toda vacinadinha, toda! Estouram palmas e vivas. A dona do pão quente, que tem vocativos de realeza para todas as clientes sem olhar a modos, porte ou traje, investe logo cuidados especiais:
– Senta-te, minha princesa, que já te levo um café e ofereço-te um brigadeiro.
– Brigadeiro não, que me vai direitinho p'rás ancas. Traz só o café.
Escolhe uma mesa, senta-se, alonga um suspiro, olha ao redor a certificar-se que é notada. Vibra nela a felicidade de quem resolveu uma dívida antiga ou se livrou de um marido inútil. E é tanta a leveza que vai para tirar a máscara, mas em menos de um ai soam os alarmes da censura pública porque, afinal, vigiavam a iminência do deslize os mesmos que antes felicitavam pela conquista.
– Olhe que não pode tirar isso!
E por todo o pão quente, a ressoar como o eco nos fins de mundo e nas amplidões desertas: não pode, não pode, não pode, não pode.
Não sei se é nos ouvidos ou na alma que me agride o folclore. Pago depressa a minha meia dúzia de moletes – é tudo, princesa? – e saio a invejar a cabeleireira. Ai o tanto que me apetecia um brigadeiro e quem dera que me fosse todo para as ancas.