2.6.21

A fama que às mulheres é atribuída, tem dela proveito inteiro o meu vizinho. Balançam-lhe os humores conforme as luas, de maneira que não surpreende dar com ele a maldizer entredentes a sorte que lhe coube logo depois de o ter ouvido assobiar ou imitar as apoteoses de um tenor. A mulher, que gemia na cama com a cadência de um eletrodoméstico enquanto ele galopava até ao êxtase, é cada vez melhor a fazer de morta. A palidez do seu olhar está sempre ao abandono num ponto fixo e ao cumprimentar sorri com uma ternura cansada. Quem governa agora lá em casa é o diabrete que conceberam. Grita de manhã à noite, mas nada que se pareça com mimo ou desconforto. Tem antes o timbre e o despudor de um líder de arruaças, um instigador de revoltosos, parece gente crescida que passou pela infância sem dela recolher doçuras e, no entanto, mal completou três aninhos. Ontem, na garagem, de chucha na boca e olhos endemoninhados, guinchava como se lhe arrancassem partes do corpo. A mãe, a empurrá-lo no carrinho de passeio, desabafou: onde é que eu terei errado? Não respondi nem censurei. A culpa é o legítimo tormento de todos os pais. Deus deve ser o único que não se faz esta pergunta quando observa as falhas da sua criatura.