No dia em que conheceu o pai dos meus filhos, a minha avó pediu-lhe, pelo amor de todos os santos, que me domesticasse. Foi por convicção, e não por escassez de vocabulário, que escolheu o termo domesticar. Pese embora o seu próprio desgosto amoroso, atribuía aos homens o mérito de salvar a dignidade das mulheres, que deveriam recompensá-los com tanta justiça na mesa como na cama e consentir que recorressem a outras para trabalhos mais experientes ou indignos de senhoras casadas. Estaria garantida a paz do senhor e a rotação da Terra se elas não reclamassem, até porque da trabalheira de pensar diferente ou querer melhor raras vezes vem rendimento e menos ainda conforto. Por isso as insatisfeitas eram perigosas, faziam descambar o casamento em tragédia, a família em vergonha, até o mundo em guerra. Então, para a minha avó nenhum acontecimento nefasto tinha a inocência ou a fatalidade dos frutos do acaso. Tendia a procurar sempre a mão feminina que lhe tivesse dado origem e, na dúvida, via em todas as mulheres sinais das almas que o diabo corrompeu e que aos outros sugam a energia, fecham os caminhos, rasteiram os êxitos. Para ela, tratando-se de mulheres, a presunção da inocência não passava de um ato de caridade, um polimento civilizacional, um descargo de consciência, em suma, um prazo que de favor nos concedemos para preparar o embate com a perversidade original.