24.3.20

Do que tenho lido pela blogosfera, noto que estamos mais virados para a guerra do que para a paz e que aqui, nesta crise inesperada que atravessamos, muitos sovam aflitivamente o ar num combate com os próprios fantasmas. É a esquerda, é a direita, é o que devia fazer-se, é o que está mal feito, é o que vai acontecer, é o que não é bem assim, bate agora aqui, a seguir além, todos incompetentes, todos falsos, todos oportunistas, eu dizia-lhes como se faz, eu que estou acima e mais além, eu que domino as ciências, as exatas, as abstratas, as sociais e as ocultas, eu que já sabia que isto ia acontecer, deste meu sofá via tudo antes de vós, eis as previsões, aqui as suposições, ali as curvas e agora as contracurvas, eu logo disse, eu bem avisei, agora amanhem-se, agora unam-se, agora escondam-se, agora ergam-se, agora demitam-se, agora tratem-se, irresponsáveis, paranoicos, negligentes, alienados, todos burros, todos errados.
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Por favor. Se não podeis ou não sabeis ajudar, então um pouco de silêncio. É preciso calar para escutar, para saber, para aprender. Recolhei essas armas porque não servem nesta luta, só cortam o ar e o ânimo, é melhor uma história, um retrato, uma graça, uma visão, um verso que acrescente, um pensamento que brilhe. Amanhã mudamos as leis, os decretos, os partidos, os governos, as cabeças, as ideias, e quem achar que é assim tão diferente dos outros, que está mais certo e melhor, mude até de mundo, outro ao seu gosto talvez haja num universo tão vasto. Guardai para amanhã as raivas, as ganas e as cegas convicções. Toda a energia e segurança que delas parece emanar será necessária para a nossa reconstrução.