Com os olhos pregados no FlightAware, vigio o itinerário do rapaz voador como aos passos da sua infância, sabendo que em breve lhe perderei o rasto. Não tenho coração suficiente para as suas ganas, para os lugares remotos, marginais, onde se mete, sou tão cobarde que a sua bravura me asfixia. Choro como uma Madalena, arrependida da educação que lhe dei, antes tivesse posto às costas dele toda a minha carga de medos e ninguém havia de me julgar, porque aos primogénitos é hábito ser cobrada a continuação dos pais, a realização dos seus sonhos abortados, a compensação dos seus aquéns.
O menino com cabelos de oiro velho e olhos de mar de inverno proporciona-me uma versão mais plácida da vida. Com ele o tempo ganha vagar e tolerância, estiro-me, dou-me às ligeirezas do corpo e do espírito, às vezes ouço-o elaborar acerca de coisas muito antigas, impérios, deuses, pedras, tesouros, tratados, conquistadores insanos, desastres sobre os quais já não podemos agir e assim fingimos que não devemos ao mundo mais do que pensá-lo — estudiosos, porém, desresponsabilizados. Mas sem o desassossego e a ambição do rapaz voador fico desfalcada, falta-me o contraditório, não há quem escancare as janelas e apresse as horas e conjugue os verbos no futuro e volte para casa espantado, a contar dos olhos gelados dos tubarões ou da malha caída por onde escoa a lucidez dos Homens.
Que hão de fazer as mães como eu, cujos filhos em tanto lhe são opostos e se opõem entre si? Se um tudo busca saber, o outro só se contenta quando vê, e eu, que pouco sei e quase nada vi, vivo assim, desautorizada nesta triangulação amorosa, incapaz de os subjugar ao meu código genético e aos meus humores. Nem de um nem de outro jamais alguém dirá vê-se logo que és filho da tua mãe e por isso sei que, no dia em que eu morrer, morrerei mesmo.