17.6.25

Sentado num banco da alameda, habituado à condição de velho e aos seus clichés, o senhor Pereira vigia a brincadeira de Joaquim. Seis anos feitos e o menino permanece fiel à genética da mãe, nenhuma evidência da família paterna na feição ou nas cores e muito menos no perfil de homenzinho de janeiro, marcado pelas reservas e prudências de Saturno. O senhor Pereira lamenta este regime totalitário da maternidade mas tem-lhe faltado o ânimo de se expressar contra. Em bom rigor, sempre temeu a imperatriz e as suas demasias — demasiado jovem, demasiado bela, demasiado simples, demasiado segura, demasiado calada, demasiado mulher —  e, por isso, jamais teve a ousadia de um confronto, preferindo maldizer nas costas e à distância. Como é possível que uma única pessoa, que ainda por cima se comporta com a leviandade dos bichos da província, ofenda a dignidade de uma família inteira? 
— Como assim, ofender?
O senhor Pereira suspira, acusando uma trouxa de remorsos e cansaços às costas, e desconversa.
— Eu agora estranho muito algumas coisas, a menina sabe?
Sento-me ao lado dele, estranhando também, não as mesmas, mas certamente muitas coisas. A poucos metros, Joaquim empenha-se no exame às pedrinhas soltas do canteiro com um modo grave, estudioso, prematuro, e fala sozinho num idioma que não decifro — o mais certo é que seja inventado. Num vaivém saltitante, vai pousando no colo do avô uma criteriosa seleção das melhores e tenciona pintá-las assim que voltar a Penedono, na próxima semana, se a mãe o ajudar. Enquanto aprecio nele as coreografias da infância e a intimidade com a natureza, viro a cara ao senhor Pereira, porque suporto mal a visão da sua espinha dobrada, cómoda num banco da alameda. Talvez se tenha rendido à ideia de que, para nos conceder alguma paz, a vida tem de ser um acordo de cavalheiros entre a vontade e o destino. Felizmente, Joaquim está muito longe de saber disso.

4.6.25

Sobre o que é bom deve falar-se, sobre o que está mal deve agir-se. O inverso, quando não é absolutamente inútil, acaba por ser contraproducente. 
Não estou certa de ser praticante exímia desta crença que tenho. Quando me ferve o sangue, também sou tentada pela maledicência e nela dissolvo, como posso, algum do meu desconforto. Esforço-me, contudo, por atenuar essa fraqueza, limitando as más palavras à minha órbita ou deixando-as a marinar na almofada durante a noite, para que, no dia seguinte, se convertam em atos de que possa orgulhar-me.