Os leitores que ainda por cá andam, tolerantes com o desleixo e as intermitências deste blog, reclamaram da degeneração da viúva. Lamento a minha impotência perante as voltas da vida. Na qualidade de dependente absoluta da realidade, sem uma imaginação fértil de que me possa socorrer, vivo subjugada aos factos e mais não sei além de os relatar.
Mas a boa notícia é que nem tudo está perdido. Na papelaria, por exemplo, as velhas suspiram pela farda e pelos olhos azuis do almirante, que está hoje na capa de todos os jornais a anunciar-se como um salvador. A elas, juntou-se a cabeleireira, e Gabi, a manicura sonsa, veio a reboque, inventando pretextos para disfarçar a curiosidade. Em torno da figura do candidato, cada uma engendra as suas fantasias, mais ou menos castas, mais ou menos atrevidas, sem, no entanto, deixar o verbo resvalar para lá da decência. Que sorte a dele! Não bastasse a imprensa toda a seu favor e os fotógrafos posicionados no ângulo certo, ainda se faz em seu nome o alarido de fim de tarde na papelaria.
— A mim, nem que mo dessem de bandeja. É um vaidosão da treta. — diz a rapariga da papelaria, com um gesto largo de incómodo, como quem enxota moscas. Eu estou com ela. A vaidade é, de todos os pecados capitais, o que mais revela falta de inteligência. Tem o efeito oposto à intenção, pois quanto mais é feito para realçar virtudes, mais ao léu ficam as debilidades.
A cabeleireira indigna-se e acusa a rapariga da papelaria de arrogância e desdém.
— Olha, filha, hádes-me mostrar o teu caixote do lixo. Eu, pra mim, isto é um homem a sério.
Atira beijos à capa do Jornal de Notícias. Gabi ri-se do devaneio adolescente da patroa mas aproveita o embalo. Se às casadas é permitido, podem certamente avançar sem medo as solteiras.
— Um pedaço de mau caminho. Embora tenha idade para ser meu pai...
— Também o acho um senhor muito distinto.
— Tem classe, não tem, dona Fatinha?
— Nota-se que não é um qualquer.
— Claro, um militar é um militar.
— Se fizer sempre como fez aquando da vacinação...
— Sabe comandar. É disciplinado. Organizadinho.
— E muito leal, de certeza.
— O que mais falta são homens como ele, que fazem o que tem de ser feito.
— Como assim?
— Olhe, cada uma faça a sua interpretação.
— Que olhos...
— No fundo, é um herói, é o que ele é e o que sempre se disse que ele é.
— E a sotôra, vai votar nele?
A dona Maria Isabel — deus a conserve por muitos e longos anos na vizinhança deste blog — a quem a vida vivida contra correntes e dominações deu estatuto para sentenciar sobre o que bem lhe apeteça e mais ainda, pousa sobre as capas dos jornais, com delicadeza e autoridade, os dedos coroados de pedras muito antigas.
— É engraçado como as mulheres querem sempre tanto e, no final, acabam todas por se contentar com muito poucochinho.