4.4.25

É raro, mas às vezes também acordo a meio da noite com todos os meus medos estendidos comigo na cama. Que dia será o de amanhã? Incapaz de ajustar a vida que tenho à desgraça do mundo —  um de nós está muito errado e recusa-se a ceder —  procuro exercitar o hábito da esperança, encosto-me ao coração bravo dos meus filhos, sabendo embora que também eles se desgostam e talvez em segredo me acusem de os ter iludido à nascença. Que triste é o tempo da raiva e da guerra que nos coube, dos homens acossados, da turbulência moral, da imprevisibilidade da hora seguinte. Eu sei, nunca foi de outro modo. Muitos houve assim e até bem piores, mas não se vangloriavam da civilização, das leis, da ordem e da democracia, nem discursavam pela justiça ajeitando os nós de gravata, nem alardeavam as conclusões dos mais recentes estudos sobre a saúde mental e a importância os afetos, nem havia métricas para os índices de felicidade dos povos avançados.
Por estas e por outras é que sou ateu, diz o meu menino com cabelos de oiro velho e olhos de mar de inverno. É verdade, se ao menos deus desse um ar da sua graça! O mundo inteiro à espera e ele nada, nem sinal de vida, sofre desse mal dos tiranos que alimentam o culto à personalidade mas não se prestam a dar satisfações a ninguém. Já muito faz em salvaguardar a perfeição do universo, as forças que regulam o movimento dos astros, o ocaso que se cumpre apesar de todas as catástrofes.