À porta da papelaria, Alicita sacode o marasmo domingueiro da vizinhança com muito alarido e uma torrente de lágrimas. Ouço dizer que, às primeiras tentativas de rodar na bicicleta sem apoios, a menina deu um trambolhão espetacular e das mazelas resultantes constam um braço escoriado, um joelho aberto e duas mãozitas num estado de dar pena. A avó acorre com muita aflição e um frasquinho de desinfetante, mas a mãe, que é mãe e por isso se basta, cai de joelhos e lambe-lhe todas as fontes de sangue vivo como um animal. De passagem, admiro a cena e comovo-me. Que fáceis são as dores dos filhos pequenos! Sobre elas temos sabedoria, autoridade e remédio pronto. Difícil é a hora de acudir às feridas dos filhos crescidos, cujos corpos ultrapassam a medida do nosso regaço e, por terem perdido a inocência, não acham mais consolo em cantigas rimadas, falsas promessas ou medalhas de coragem.