É só na hora da confissão que a mentira se torna uma indecência. Antes disso, é inconsequente e amoral. Acredito nisso quando ouço o sermão de Lígia, a mais velha das manas Pereira, ao sair de casa com a sua menina exemplar:
– Se me voltas a mentir, tiro-te tudo, ouviste? Tiro-te tudo!
Vê-me e sorri muito, a compor-se da vergonha de ter sido apanhada nos bastidores da sua representação quotidiana, sem o retoque da maquilhagem, o figurino da elegância e da sensatez, o devido ensaio de boas maneiras. Que terá feito a menina que justifique ameaça de pena tão pesada? Escondeu uma má nota, gastou o dinheiro das fotocópias no quiosque das gomas, passou a tarde na ramboia a pretexto de um trabalho de grupo? Com a adolescência a rebentar em todos os poros da face, a menina revira os olhos e desacelera, ganha distância da mãe. Sabe que tudo teria continuado na paz dos anjos, sem mortos, feridos ou percalços, se a verdade, seja qual for, não tivesse vazado. Por acaso cometeu algum crime, fez mal a alguém?
– Não, mas não te admito que me mintas. Não te admito.
E perante a desproporção daquela justiça materna, em que mais pesa o orgulho do que o ensinamento, a menina anuncia: para a próxima mentirá com mais cautela e inteligência.
– Veremos, minha menina, veremos.
Não. Obviamente, não verá.