Sei, desse saber de experiência feito, como os amores trágica e prematuramente interrompidos fazem sombra a todos os que vêm depois. A morte tem um pincel que lhes retoca os detalhes, o luto passa-lhes um verniz de brilho, a saudade cobre-os de um véu divino. É claro que há – não duvido, porque vejo e sei que são a maioria – quem, ainda mal levantado dos escombros, logo encontre outro abrigo onde matar todas as fomes. Mas esses, suponho que amem com uma ligeireza que a mim falta ou então são merecedores de privilégios que considero raros e de que cuja abundância, francamente, desconfio.
Os homens que me quiseram depois desse que me morreu nos braços – e sobre quem edifiquei as minhas convicções a respeito do amor – pareceram-me sempre demasiado fracos. Alguns lamentavam demasiado, ou idealizavam demasiado, ou obedeciam demasiado, ou intrometiam-se demasiado, ou pensavam com demasiada previsibilidade ou qualquer outra demasia sem benefícios à altura dos de viver só. Porém, quantas palavras tenho escrito sobre cada um dos instantes em que, por motivos tantos e sem razões inteligentes, lhes consinto a intimidade! É que, ao contrário do amor, cuja substância transcende o léxico e não é subjugável aos grilhões da sintaxe, o desejo e o prazer urgem ser ditos, têm fome de verbo. Inquietam, acordam súbitos no meio da noite, têm o efeito do álcool, que tudo enaltece, dramatiza, desata, extrema, ilumina. É essa ilusão, essa dissolução de fronteiras, esse caos de significâncias, que permite ao desejo imitar o amor e arrogar-se de cantar com a sua voz. Mas está tudo bem porque se desse equívoco resultar, pelo menos, um verso ágil e espantado, terá valido a pena.