Parece mentira: seis horas da tarde e trinta e dois graus na invicta. Tal qual uma onda de calor emanada do asfalto, a viúva atravessa a rua com a subtileza dos infernos disfarçados. Velhos e novos derretem, porque um corpo assim naquela idade só lhes aparece em sonhos ou na televisão. Será, por milagre, ainda fértil? Aquela cintura merece bem o aperto de um braço viril, as costas descobertas estão mesmo a pedir uma língua sôfrega que as trepe até à concavidade da nuca e dali volte a descer até encontrar um tesouro, as nádegas portam-se como as da adolescência, afirmativas e despudoradas, e a viúva sabe muito bem usar nelas vestidos de padrões excêntricos que provocam vertigens ao andar. Ah, tantas curvas perigosas, tão boas de ver, quanto mais de mexer, se ela deixasse! Mas ninguém lhe conhece namorado, amante ou sequer amigo de maior intimidade que ao menos apimente as suas noites sem ficar para o almoço. Que pena gastar-se assim uma viuvez tão graciosa nas mãos de ninguém – hão de suspirar os homens ao revirar os olhos.
Dois caminhos opostos podem ter desembocado neste destino de provocação e distância que a viúva aparenta quando sabe que estão a vê-la passar: ou foi tão feliz com o falecido que por menos não se dá (um coração habituado ao luxo não vai estremecer com pechisbeque), ou, ao contrário, tão desgraçada viveu no casamento que não arrisca repetir e aplica a vingança nos homens sobrevivos, atiçando vontades que não faz tenções de saciar.
A mãe da rapariga da papelaria, a quem a morte do marido precipitou numa existência de solidão e pessimismo, diz que a viuvez não é um estado civil, é um peso que uma pessoa carrega para o resto da vida. Quando a viúva passa, vira-lhe a cara. Acha-a ordinária e ofensiva. Se não quer refazer a vida, que necessidade tem de andar a exibir-se? pergunta, a fechar com ambas as mãos o casaquinho de malha cinzento sobre o peito há tanto tempo abandonado. Com este calorão, só pode estar doente.