20.12.21

Faço-te versos enquanto limpo as portas dos armários da cozinha. A dar aos braços imponho o ritmo e a métrica, sai-me tudo com naturalidade, três, quatro, cinco versos de uma assentada, e repito-os várias vezes em voz alta para os ter de memória quando puder trocar o esfregão pela caneta. Neles celebro a tua língua doce e criteriosa, que não é de poeta, gigante ou herói, é de gente suja e cansada dos dias banais, que se vende e se compra, a quem a alvorada dói nos olhos, mas que sabe, como ninguém, fazer correr os rios em leitos adormecidos. Resultam, porém, os versos frouxos, espumosos, embotados, nada que se compare ao brilho com que deixo as portas dos armários.