21.2.20

Um dia, o professor de uma disciplina do ensino básico que nos anos oitenta se chamava "trabalhos oficinais" perguntou se algum de nós queria estar a duzentos e vinte volts. Nenhum professor faria hoje tal proposta mas como à época éramos ordeiros e submissos, o risco era moderado. Quem se chegou à frente, seduzido pela ideia de alcançar um estado fulminante e dele regressar sem dano, foi o Afonso. O professor sentou-o em cima de uma mesa, enfiou um fio de arame na tomada de uma extensão e advertiu-o várias vezes para que não pousasse os pés no chão. Em poucos segundos, o Afonso estava com a ponta do dedo no fio de arame, os pés a balouçarem no ar e uma deliciosa, invejável, expressão de gozo farto, enquanto a corrente elétrica lhe percorria o corpo. Tudo isto perante o pasmo silencioso dos colegas e ao mesmo tempo que o professor, agitando os braços no ar, gritava:
- Ninguém lhe toca! Absolutamente ninguém lhe toca!  
É sempre isto que me vem à cabeça quando a viúva passa.