21.10.23

Não podemos todos falar apenas de sangue e morte, ter assento na bancada dos jurados, ser porta-estandartes, carrascos, domadores de feras, cuspidores de fogo, não podemos todos assinar por baixo das moções, das petições e das veementes condenações. Não podemos todos atiçar as raivas, reclamar aos deuses, acudir às causas, maldizer os destroços das consequências. Não podemos todos avançar para a frente de combate e atirar pedras, tinta e provocações. Não podemos todos ter tanta pressa em apresentar publicamente o certificado de moralidade e justiça. Ter a primeira e a última palavra. Entre nós, tem de sobrar quem confie e espere, quem cuide das coisas primordiais, quem regue os campos semeados, quem saiba interpretar os sonhos. Tem de haver quem continue a beijar-se sob um guarda-chuva transparente pintalgado de vermelho como se fosse ainda o primeiro dia da criação do mundo.