26.5.25

O homem de bigode com o charme desusado dos anos oitenta rebaixou a viúva ao território dos comuns mortais, provando que, afinal, vibra no sangue dela não apenas a poderosa energia dos que seduzem, mas também a astenia dos que se rendem.
Com um sopro mágico, apagou-se nela a expressão da volúpia e o olhar de autoridade sobre os homens na praceta. Gomos, sulcos e restantes delícias do corpo hibernam agora sob tecidos opacos, de caimento frouxo, que não ousam além do bege, do cinza e do azul do céu em dias assim-assim. Ao negrume do cabelo, capaz de criar diabólicas ilusões de ótica com o patrocínio da luz solar e das suas delicadas oscilações, substituiu-se a banalidade artificiosa do loiro. E no lugar dos sapatos de saltos finíssimos — que amiúde a encalhavam nas frestas da calçada, para consolo e diversão do senhor Pereira —, usa às vezes essas botas rasas, felpudas, aparentadas com pantufas, pelas quais há quem pague centenas de euros, embora, de aspeto, devessem confinar-se ao quarto de dormir. Não exagero se digo que a viúva é outra mulher, com o ar pragmático, quotidiano e benigno das donas de casa. Talvez se dê o caso de estar a amar e, amando, ter-se-á disposto a renunciar à sua vocação primordial e a entregar os seus trunfos. Cedo ou tarde, a pretexto de mais altos valores, quem não o faz? O amor é uma forma de corrupção como outra qualquer. 
A mulher do senhor Pereira não disfarça o alívio. Se algum dia ali teve uma inimiga, talvez possa ter agora uma aliada, alguém que finalmente aprendeu que os olhares de cobiça valem nada ao pé dos que nos adoram o rosto vincado do sono ao amanhecer. E assim a surpreendemos a comentar com o marido, em modo de elogio, aquilo que ambos concordaram em chamar discrição.
Para cada conceito existem, no mínimo, duas palavras possíveis que enquadram a realidade conforme ela nos seja adversária ou favorável. Entre essas possibilidades, há uma linha pálida e parcial, a linha da nossa conveniência. É em função dessa linha que distinguimos a obstinação da perseverança, a ganância da ambição, o desbocamento da frontalidade, a irresponsabilidade da audácia, a coscuvilhice da curiosidade, a posse da proteção, a cobardia da cautela. Distinguimos ainda os animais dos humanos, pois há muito cremos que o que em uns se apelida de irracionalidade, nos outros tem apenas a inspiradora simplicidade do erro. Do disfemismo ao eufemismo pode ir toda uma moral, uma vasta filosofia, mas também um mero juízo de circunstância, a voz de um desapontamento ou de uma febre. Reconheço que a figura da viúva se tornou inofensiva, não despertará como antes a virilidade dos homens. Mas a paz dos outros é a minha fome. Discreta para eles, insípida para mim.