28.1.21

Ah, feliz é a rapariga da papelaria que fracassou no amor, largou os estudos pelo meio e atrás do balcão se chora do pouco que fez pela vida, mas tem hoje, apesar de tudo isso e a todas as horas, uma fila de clientes à porta. Sem mãos a medir, escoa jornais, revistas, títulos de viagem, tabaco, raspadinhas, bom dia e boa tarde, chove muito, chove menos, já lhe dei o troco?, adeus, até amanhã, como num dia banal de um mundo tão antigo e tão ciente que já nada o desarranja.

25.1.21

O que daqui a vinte, cinquenta ou cem anos possa dizer-se sobre os dias de hoje, ignoro e nem em imaginação pondero. Quem figurará na galeria dos ilustres, quantas linhas terá a súmula vaga e desinteressante que há de incluir-se nos manuais da escola, em que museu repousarão os restos mortais e morais, que literatura se fará à roda de amores consumados sem língua nem tato? Não vale a pena, então, ter pressa, querer a autoria das melhores frases e das teses mais elaboradas, dar como certas as contas feitas ao futuro. A História escreve arrastando o punho pelos anos, tantas vezes rasurando, trocando, nas suas voltas, o lugar das vítimas, dos heróis e dos traidores. E, de resto, também não é durante o crime que se faz o julgamento.