19.12.23

Aplausos para o ciúme, um inventor de primeira categoria. Apreciem a sua espetacularidade, deslumbrem-se com os efeitos imaginários que às coisas reais ele acrescenta, notem o poder dos seus fantasmas e a agilidade dos seus malabarismos narrativos. Vejam em quantas palavras consegue ele transformar um silêncio inofensivo e distraído. Com que passe de mágica muda os figurinos, troca as vestes do anjo pelas do demónio, mata a bela, mostra a fera. Espécie de embrião da loucura que, felizmente, na maioria dos casos, a sensatez faz abortar a tempo, o ciúme deixa ainda assim marca azeda, estrago, pena. Irmão do despeito e do desdém, perigosamente aparentado com a raiva, é preciso dominá-lo como às bestas e colocar-lhe mordaça para evitar que mais tarde chore, arrependido do próprio desbocamento. Diga-o o senhor Pereira que, ao ver passar a viúva de mão dada ao homem de bigode, sussurrou para o filho, trocando com ele esses olhares que certificam o atávico entendimento de machos:
– Esta mulher, pela maneira como se pendura no sujeito, do que tinha falta sabemos nós. 
O idiota, que se por educação é fraco podia ao menos por vontade ser robusto, reagiu com a neutralidade habitual. Talvez lhe escapem os verdadeiros motivos da baixeza do pai, ignora certamente que ele cobiça e bajula a viúva desde o primeiro dia, que o perfume dela é o bastante para encorpar a sua virilidade e que lhe toca a pretexto de gestos simples de cumprimento, como se fosse descuido. Mas porque os atos das mulheres não cessam de molestar o espírito dos homens ignorantes, o idiota pôs-se também a pensar na imperatriz e nas razões que a levaram a preteri-lo. Ou assim presumo eu porque, ao cabo de algum tempo, já a viúva tinha dobrado a esquina, desabafou ao pai:
– Elas andam todas doidas ou é impressão minha?