23.6.20

O cheiro áspero das sardinhas assadas, trá-lo o vento dos terraços, varandas e marquises onde hoje se faz a festa. Nem um santo se atreve a desautorizar o poder superior e chamar o povo para as ruas, misturando os seus odores, hálitos e suores. Não haverá baile nem cantoria nas pracetas ribeirinhas, nem despontarão paixões entre estranhos que se cruzem na ponte debaixo do fogo, nenhum beijo será dado ao acaso no embalo da folia e velhos conhecidos que desde o último ano não se viam resistirão à leviandade de um abraço. De martelinhos nem pio. Na rotunda, não virá com a brisa o cheiro de farturas, nem haverá ganapada aos encontrões, bêbados a cobiçar as nádegas das raparigas que jogam matraquilhos ou carteiristas de olho no bolso cheio dos estrangeiros. Não se ouvirão gritos de bravura nem promessas de amor no topo da volta da roda gigante. Pela primeira vez nesta data, as praias amanhecerão vazias. E na placidez rosada dessas primeiras horas, quando baixam no ar a temperatura e a melancolia, hão de circular devagarinho pela marginal os carros patrulha, certificando-se que a pretexto do santo não acamparam ali jovens amantes de circunstância nem ressacados sem pernas para voltar a casa. 
Mas amanhã, apesar dos esforços, todos seremos ainda mortais.