19.5.20

De resto, também é preciso dizer que tudo perdeu graça e glamour. Acabou a solidariedade de varanda, as receitas de pão caseiro, as odes ao café de italiana e aos passarinhos. Nunca mais se fez prosa rebuscada sobre os planos do universo, nem sobre a revolta da natureza, essa coitada tão oprimida que se armou de um vírus do diabo para justamente destituir os poderosos. Talvez os sermões que o pivô das notícias deu como quem dá esmolinha já não inspirem ninguém. É de tristeza e apatia a face visível dos adolescentes do colégio lisboeta que hoje vinha no jornal. Há novos casos de padres incapazes de dominar o gosto sórdido por carne tenra. Da porta da papelaria a rapariga atira-me acenos vivos, cheios de uma estival feminilidade, e o Marco do ginásio, ao passar para nenhures com a chave da porta que ainda não pode abrir, apanha-os no ar julgando que lhe são dirigidos. Está um dia muito bonito e a morte ronda as moradas de todos nós com pezinhos de lã ou patadas de besta, consoante o fado de cada um, sem novidade, como desde que o mundo é mundo. Quem foi que disse que nunca mais seriamos os mesmos?