29.3.20

Separado da mãe, que labora no grande exército contra o perigo invisível, Joaquim resguarda-se no ninho da família paterna sem saber quando voltará a cheirar o corpo que o pariu e alimentou em esforços de sangue e suor. A imperatriz tem a força, o instinto e a inteligência ao serviço de uma única causa, mas não é a sua nem a do tão amado filho. Disto fico a saber no tempo breve de um aceno, quando o senhor Pereira caminha para norte no passeio a poente e eu para sul no passeio a levante, sem que o ronco brusco de nenhum automóvel interfira na conversa. Veja a menina como nem tudo é mau. A desgraça que varre o mundo traz-lhe a felicidade de partilhar a clausura com o neto porque o filho, mais uma vez, foi de armas e bagagens lá para casa, aterrorizado de se ver sozinho com a cria nos braços em tempos tão incertos. É claro que lamenta pela imperatriz, que sempre que pode fala com Joaquim por chamada de vídeo e chora como jamais um Pereira imaginou que ela chorasse. Está só e extenuada. Nem sequer pode visitar a mãe lá nas dobras áridas da serra, aquilo é que é isolamento a valer, que vírus é que tem interesse em lá chegar, caramba? O senhor Pereira ri da própria estupidez mas apressa-se a remediá-la quando nota que não alinho. Coitada daquela rapariga, diz, e é pior a emenda que o soneto. Ah, incapaz de resistir a fazer uso da arrogância nesta hora, troca as voltas à história e diminui a mãe do neto pela via da piedade. É a primeira vitória do senhor Pereira sobre a imperatriz, uma vitória suja, mas ele levanta o troféu várias vezes coitada, coitada, coitada, queira deus que não lhe aconteça nada.
Os Pereira desconheciam a força de abalos imprevistos porque a vida inteira trabalharam pela linearidade e constância e foram sendo de tal forma bafejados pela sorte e protegidos pela condescendência divina que até os pequenos desaires e vergonhas lhes aconteceram na medida certa para esconder no fundo do armário e debaixo dos tapetes. Agora, parece-lhes impossível que a ciência, chegada aos cúmulos a que chegou, não tenha já na manga a solução. De modo que de hoje para amanhã, vai-se a ver e foi só o susto. Nem este desastre eles consideram como tal, não há nada que esfrangalhe a sua superioridade. Os outros é que, coitados.